Notas da primeira reunião de planejamento do Movimento de Tecnologias Não-Alinhadas

Créditos da foto de fundo: Ashim D’Silva

Créditos da foto de fundo: Ashim D’Silva

À medida que a pandemia Covid-19 avança, o poder abusivo das “Big Tech”/ grandes empresas de tecnologia e dos Estados “Big Brother” também atinge nossas comunidades. A junção da tecnologia com as crises econômicas e de saúde, com o aumento de desigualdades e com o autoritarismo crescente não é uma coincidência histórica aleatória. É o resultado, entre outros fatores importantes, de nossa crescente dependência de tecnologias extrativistas; dependência esta encorajada e fomentada por empresas e governos. A mineração de dados sobre nossas vidas agora complementa a apropriação de nossos recursos naturais, a exploração de nosso trabalho e a dizimação de nossos bens e serviços públicos. Em resposta, a sociedade precisa definir e reivindicar espaços tecnossociais para além do modelo motivado pelo lucro do Vale do Silício e do modelo motivado pelo controle do Partido Comunista Chinês – os dois centros de poder dessa ordem colonial emergente. É por isso que um Movimento de Tecnologias Não Alinhadas (MTNA, NATM* em Inglês) é necessário.

Cerca de cinquenta pessoas de todos os continentes do mundo se reuniram no dia 24 (e 25)** de novembro de 2020, para discutir como o MTNA seria, quais desafios ele buscaria enfrentar e quais agendas ele priorizaria.

De imediato, ficou claro na reunião que, embora todos procuremos articular nossas próprias abordagens para a decolonização, compartilhamos uma sensação de ansiedade e um entendimento comum do problema. Também compartilhamos o senso de urgência bem como a garantia otimista de que não existe uma ordem colonialista que possa subsumir completamente nossa capacidade de imaginar e resistir. Observamos que, outro lado da névoa da nossa crise atual, a capacidade de negociação da periferia está enfraquecida. A capacidade de cada subgrupo ter seus direitos garantidos e suas demandas satisfeitas já é bastante limitada. Com isso em mente, seguimos com a convicção de que só podemos resistir efetivamente criando uma frente mais ampla possível. É por isso que devemos tomar medidas para garantir que o MTNA cresça de baixo para cima, criando um espaço para ouvir as preocupações e queixas uns dos outros e, ao mesmo tempo, entender as semelhanças entre nossas lutas. O desenvolvimento de uma linguagem comum e de um senso de direção comum alimentado pela solidariedade é o único caminho a se seguir.

Lições do passado

No início dos anos 1950, enquanto grande parte do sul global lutava por sua independência das potências coloniais, um movimento estava sendo incubado. Seus líderes tiveram um insight fundamental: para que nossas economias trabalhem em favor de nossos povos, precisaríamos nos unir para lutar contra o imperialismo, seja na forma das velhas potências europeias, ou dos EUA e URSS, os novos impérios que lutavam uma Guerra Fria pelo controle dos recursos do mundo. Da Conferência de Bandung de 1955 ao lançamento formal do Movimento Não-Alinhado em 1961, uma coalizão diversificada de pessoas provenientes de diferentes sistemas políticos e econômicos, bem como origens culturais e religiosas, conseguiu se unir para resistir aos poderes coloniais extrativistas, acabar com o apartheid e combater o racismo. Muitos argumentam que, com o colapso da URSS, o programa NAM perdeu seu apelo. No entanto, dada a atitude continuada dos EUA em relação ao Sul e a ascensão da China, juntamente com a explosão das tecnologias extrativistas, acreditamos que uma rearticulação e uma reimaginação de seus princípios originais não são apenas necessárias, mas urgentes.

Como estamos construindo o MTNA? Uma abordagem participativa de “baixo para cima”

Para garantir que a direção deste movimento seja definida por um coletivo, começamos postando algumas ideias em uma wiki aberta, onde qualquer pessoa poderia sugerir adições e edições. Isso foi seguido por um convite para participar desta primeira reunião. O convite incluia uma pequena pesquisa com um conjunto de perguntas para avaliar as expectativas, interesses e experiências das pessoas, bem como recomendações de leituras que gostariam de compartilhar.

Com base nas respostas das perguntas, construímos um segundo questionário para os participantes completarem durante a reunião. Perguntamos por que eles acham que o MTNA é necessário neste momento (declaração do problema) e quais devem ser as prioridades [D(1] da agenda de curto prazo (foto abaixo). Uma vez que os resultados foram enviados, e antes de abrir a discussão para o grupo, convidamos três debatedores selecionados de diferentes origens para fornecerem suas perspectivas a respeito dessas questões.

Questão 1:  Declaração do problema: indique a importância que você atribui às seguintes declarações, distribuindo 100 pontos entre elas [1].

Q1.png

Questão 2: O que o MTNA deve ter como prioridades no curto prazo? Coloque os pontos seguintes em sua ordem de preferência [2].

Q2

Dessa forma, a primeira parte da reunião centrou-se no conteúdo e princípios da iniciativa. “Por que precisamos de MTNA, e qual deve ser foco desse movimento?” Os principais temas que surgiram no primeiro momento incluiram: a urgência da iniciativa, os desafios que tal movimento enfrentaria, a política do processo de construção de coalizões e a importância da intervenção nos debates nacionais.

No que diz respeito à urgência de se estabelecer um movimento como esse, vários participantes destacaram a velocidade e avanço da digitalização desde que a pandemia explodiu, e como as “Big Techs” e os grandes países estão sendo capazes de aumentar sua pressão sobre atores menores com dificuldades financeiras. A janela de oportunidade para garantir o realinhamento do mundo digital com direitos é cada vez menor. Por um lado, essa situação sublinha a importância deste movimento. Por outro lado, cria desafios para o estabelecimento de um processo de baixo para cima equilibrado que exige cuidadosa deliberação.

Um desafio específico que foi levantado durante a reunião foi o da cooptação de iniciativas focadas na soberania de dados como uma forma de diminuir o desafio crítico que representam para a Big Tech. Os participantes concordaram que será importante para o MTNA se posicionar como um movimento político independente e radical. 

Ao mesmo tempo, será crucial para o MTNA construir coalizões, principalmente em termos de organização de ações e de estruturação do discurso em nível nacional e global. Os grupos de jovens foram mencionados como uma parte interessada crucial. Sim, o MTNA deve trabalhar com órgãos políticos locais estabelecidos, mas ao invés de simplesmente pedir um assento à mesa, deve criar novas mesas em torno das quais diferentes grupos sociais, não apenas empresas e governos, podem definir a agenda.

Parte 2 da reunião: Futuros Imaginados

A segunda metade da reunião focou na estratégia da iniciativa. “Como fazer com que esse movimento tenha sucesso? O que é o sucesso nesse caso?” Os participantes foram convidados a reagir ao seguinte cenário:

 "O ano é 2040 e você está conversando com os jovens sobre o surgimento do MTNA. Como você resumiria os desafios que o movimento enfrentou e o que permitiu que ele tivesse sucesso e prosperasse?"

À medida que as respostas se apresentavam no chat, quatro entrevistados previamente indicados foram chamados para fornecer suas respostas.

Fig. 2. Nuvem de palavras baseada nas respostas submetidas pelos participantes. 

Fig. 2. Nuvem de palavras baseada nas respostas submetidas pelos participantes. 

Alguns temas que surgiram nesta seção giram em torno da escala do desafio e da necessidade de criar uma base muito grande de apoiadores para superá-lo. Como tornar os danos desencadeados por maus atores mais rastreáveis aos olhos do público em geral e como fornecer meios significativos para que eles se envolvam nessa luta. 

Abaixo estão algumas respostas que exploram como esses desafios surgiriam e como seriam superados. As respostas devem ser lidas como histórias futuras.

“Os desafios que enfrentamos: uma sensação de estar sobrecarregado pela escala do que precisa ser feito. Onde começar? Como podemos abrir o sistema para começar a fazer as mudanças necessárias, e fazê-lo rapidamente? O MTNA teve sucesso ao formar uma rede global de base, radicalmente orientada, comprometida com ações diretas e disruptivas. Dentro desta rede, trabalhamos em grupos menores para atingir objetivos específicos do MTNA (ou seja, privacidade / vigilância; soberania, etc.) ”

“Superamos isso aproveitando a reação e resistência popular e política que crescia anteriormente para interagir com políticos e governos em todo o mundo e lutar em um nível político (e manter as políticas mudando com o avanço da tecnologia), ajudando a espalhar a consciência, conectar ativistas, encorajar o ativismo entre os usuários de tecnologia mais ativos, e ajudar a preparar pessoas em áreas de expansão tecnológica para lidar com essa expansão com agência e resistência aos aspectos negativos. ”

“O maior desafio foi fazer com que as pessoas não pensassem que a tecnologia era o único caminho para a humanidade. Mas, mais uma vez, as pessoas começaram a imaginar um futuro que não tinha a tecnologia digital no centro de cada dimensão da vida ... ”

Seguindo em frente: o que vem a seguir? / Quais são os próximos passos

A reunião reforçou o fato de que existe um grupo diversificado e experiente de pessoas dispostas a fazer avançar esta agenda. O desafio será o de encontrarmos o equilíbrio certo entre movermos lateralmente para ampliar a base e avançar em termos de definição da agenda. Em nossa busca para garantir que isso se torne a frente mais ampla possível, esperamos ouvir de vocêQueremos a sua opinião sobre o enquadramento, o conteúdo e a estratégia para alcançar o que você vê como os desafios mais urgentes.

Como próximos passos imediatos, nós iremos:

  • Montar uma plataforma colaborativa online para continuarmos o trabalho e coletar recursos (incluindo o wiki público em nonalignedtech.net e o fórum da comunidade somente para membros em nonalignedtech.net/community).

  • Usar essas plataformas para discutir quais grupos de trabalho devem ser formados e começar a designar membros para os vários grupos. Estes podem incluir, mas não estão limitados a: um grupo para redigir uma carta ou manifesto, um grupo para organizar um movimento BDS (Boicote, Desinvestimento e Sanções) contra Big Tech e corporações extrativistas, etc.

  • Continuar a convidar membros.

  • Iniciar o planejamento para a próxima reunião, no início de 2021.

________________

[*] Non Aligned Technologies Movement (NATM)

[**] Incluímos 24 e 25 de novembro devido ao fuso horário dos participantes. 

[1] Tradução livre das perguntas inseridas na figura da Questão 1:

- Nós precisamos resistir a modelos tecnosociais que estão gerando novas formas de extrativismo e exarcebando desigualdades históricas.

- Resistência ao colonialismo de dados está emergindo, mas precisamos de um movimento global para reunir e focar respostas de diferentes partes do mundo.

- Nós precisamos questionar o desenvolvimento de tecnologias de vigilância que estão fechando o espaço cívico.

- China e EUA estão se tornando os novos polos da ordem neocolonial. Nós precisamos rejeitar seus modelos e forjar alternativas. 

Ulises Ali Mejías e Juan Ortiz Freuler

Ulises Ali Mejías é professor associado de Estudos de Comunicação e Diretor do Global Action Institute da State University of New York, campus Oswego. Seu trabalho se concentra em estudos críticos da internet, teoria e ciência da mídia social, filosofia e sociologia da tecnologia e economia política da mídia digital.

Juan Ortiz Freuler é um pesquisador afiliado ao Berkman Klein Center for Internet and Society em Harvard (2018-2020), onde explora como os sistemas políticos podem ser afetados pela Internet. Juan também é associado da JustLabs e atuou anteriormente como pesquisador sênior de políticas na Web Foundation (2017-2020).

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